Tenho pensado constantemente sobre o papel da arte e, em conversas com amigos que a vivem como um ato de devoção, senti que fazia sentido transbordar dos meus blocos e cadernos de anotação que guardo por aí e ocupar este espaço para materializar minhas divagações íntimas. Afinal, o que sentimos no peito, quando dito ganha forma no mundo.
Acho graça a busca por palavras que embelezem a escrita para impressionar quem as lê, mas aqui intenciono escrever despretensiosamente. Ainda assim, não os engano: de certa forma, também desejo cativá-los. E já de antemão os atento para a escrita de quem é, na verdade, arquiteta e urbanista. Meu coração mergulha, meus pensamentos correm, mas busco delicadeza para acalmá-los e transmiti-los em palavras. Já os familiarizo também com minha falta de vírgulas, visto que há alguns anos senti uma permissão concedida por Luís Fernando Verissimo ao ler em sua obra que podemos usar a vírgula como bem entendermos, pois ela serve, em sua percepção, para dar a entonação desejada.
Em seguida, uma sequência de devaneios em ordem cronológica do tema referido:
Em minha última leitura, Compramos um poeta, percebo um conceito confuso da arte em uma sociedade utilitarista, onde muitas vezes ela é medida apenas pelo seu valor prático ou comercial. Afonso Cruz nos faz lembrar que a função da arte vai além da utilidade imediata: ela questiona, provoca e transforma, oferecendo sentidos que não cabem em planilhas ou métricas. Ao valorizar o gesto criativo pelo que a arte desperta em nós, compreendemos que ela é uma ponte importante entre o íntimo e o coletivo.
Este sábado estive exercendo uma das atividades que mais adoro: me aventurar folheando páginas de temas diversos em livrarias. No setor entre arquitetura e desenho técnico, despertou meu interesse um livro sobre história da arte, e me dei conta de uma ingênua contradição minha. A arte não foi, nem mesmo em seus primórdios há muitos mil anos, concebida com o intuito de inspirar; ela surgiu como uma forma de comunicar-se. Cito aqui o poeta e amigo Teteu Caetano:
“A comunicação vem de uma necessidade anterior a si mesmo, eu diria que uma necessidade da própria sobrevivência.”
Ontem assisti a uma performance de Ney Matogrosso e notei que seu manifesto combina a essência do ser com os acontecimentos de sua vida, como forte referência o sentimento proveniente da repressão por parte do pai.
Hoje logo cedo lia o conto Mineirinho, de Clarice Lispector, no qual a narradora se confronta com uma percepção profunda de si mesma: a fragilidade humana diante da compaixão por alguém que cometeu um crime. Em seus versos, expressa com vergonha o mais íntimo instinto de compaixão e mostra que a arte revela o que insiste em existir.
A partir disso, afirmo: sim, a arte vem para comunicar! Minha contemplação das referências a cima me apresentam diferentes modos de manifestar o íntimo, seja em palavras ou performance, todos apontando para a mesma essência: uma forma de tornar visível o invisível.
Espero que a arte traga luz de cura a uma sociedade adoecida, que insiste em afastar o conhecimento mais profundo de si mesma e substituí-lo por uma otimização superficial de si, utilitarista e separatista. Que possamos recorrer a ela para comunicar nossos mais profundos dizeres.